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RODRIGO CAVALHEIRO, CORRESPONDENTE / BUENOS AIRES - O ESTADO DE S. PAULO
04 Julho 2016 | 05h 00 - Atualizado: 04 Julho 2016 | 05h 00
Em desafio a Uruguai e Argentina, Assunção ameaça boicotar cúpula de chanceleres e exige reunião urgente do bloco para punir Venezuela
BUENOS AIRES - O governo paraguaio está disposto a enfrentar aliados regionais para impedir que a Venezuela assuma a presidência do Mercosul pelos próximos seis meses. Assunção quer uma reunião urgente de chanceleres no dia 7 para discutir a suspensão de Caracas. Se não for atendida, pretende boicotar a cúpula do bloco no dia 12 em Montevidéu e assim impedir a troca de comando, que a seu juízo exige consenso.
A tática foi relatada ao Estado por um assessor direto do presidente paraguaio, Horacio Cartes, que na sexta-feira fez um discurso no Congresso alertando para a violação de direitos humanos pelo governo de Nicolás Maduro. “O mundo é testemunha dos abusos sofridos pelo povo da Venezuela”, disse. Ele acrescentou que, como membro do Mercosul, seu país “não pode ficar calado”.
Há uma semana, em Montevidéu, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, disse que a cúpula do bloco prevista para o dia 12 já não reuniria os presidentes, em função das crises no Brasil e principalmente na Venezuela. Ele garantiu, no entanto, que os chanceleres do bloco se encontrariam e a presidência temporária do Mercosul, desde dezembro em mãos do Uruguai, seria entregue a Caracas. Em uma espécie de transição supervisionada, aprovada pela Argentina, as negociações de um acordo de livre comércio com a União Europeia permaneceriam nas mãos do Uruguai.
O anúncio foi o começo de um distanciamento que o Paraguai promete aumentar, enfrentando até mesmo a Argentina, com quem mantinha até o começo do ano a maior sintonia dentro do bloco.
O chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, protestou na quinta-feira, dia em que pediu a reunião de emergência de chanceleres. O diplomata afirmou que não havia sido consultado sobre o anunciado por Novoa e, no fim de semana, reiterou que a passagem de poder à Venezuela “não estava definida”.
Paraguai e Argentina demonstraram sintonia na última cúpula do bloco em Assunção, quando o presidente argentino, Mauricio Macri, pediu a suspensão de Caracas do bloco caso não houvesse a libertação de presos políticos. Desde então, a Argentina moderou sua posição e o Paraguai, suspenso após um processo de impeachment relâmpago de Fernando Lugo em 2012 - período no qual a Venezuela entrou no bloco -, passou a ser o principal rival de Caracas.
“A médio prazo, sabia-se que a entrada de Venezuela no bloco seria uma catástrofe, é um país dependente do petróleo com pouco em comum com os demais. Foi uma tentativa do Brasil de manter de alguma maneira Caracas dentro das normas democráticas, que agora ajuda a colocar o Mercosul em terapia intensiva”, disse ao Estado Eduardo Sadous, embaixador argentino em Caracas entre 2002 e 2005.
Sadous acredita que uma punição por meio do uso da cláusula democrática não reverteria a crise no país caribenho e cita o exemplo de Cuba, “onde o povo só sofreu com o bloqueio americano”. Na avaliação do ex-embaixador, a decisão paraguaia de subir a aposta contra a Venezuela tem relação com a suspensão que sofreu em 2012.
Opinião semelhante tem o analista Rosendo Fraga, que acompanhou a fundação do bloco e hoje dirige o instituto Unión para la Nueva Mayoría. “Politicamente, o Paraguai está devolvendo o tratamento que teve do Mercosul quando Lugo foi destituído. Não há antecedentes, mas as circunstâncias políticas podem fazer com que o Paraguai tenha êxito. Para Argentina e Brasil, produzir uma crise no Mercosul para favorecer Maduro nessas circunstâncias não tem sentido”.
O Itamaraty não comentou a decisão paraguaia de tentar vetar a passagem da presidência a Caracas. Em visita a Buenos Aires em maio, o chanceler José Serra afirmou que o país defendia o uso do diálogo no caso, mas não estava em situação de se apresentar como mediador da questão.
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