quinta-feira, 17 de abril de 2014

A DEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR NO BRASIL: O CAMINHO A SEGUIR

Autor(a): IGOR DA MOTTA MAGALHÃES CARNEIRO
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Diplomata no Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Autor(a): LEONARDO VIEIRA ARRUDA ACHTSCHIN
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília e em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília. Especialista em Direito Tributário e em Ordem Jurídica e Ministério Público. Analista de comércio exterior no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Ao longo de nossa trajetória como país, as políticas para o comércio exterior têm-se mostrado casuístas e pouco transparentes. O que se observa na história econômica brasileira é a instrumentalização do comércio exterior brasileiro como mero apêndice de outras políticas governamentais ou sua vinculação a interesses de grupos privados influentes, além da falta de percepção clara de sua importância fundamental como ferramenta de desenvolvimento da produção nacional. As discussões acerca da política comercial brasileira tendem a reduzir-se a análises superficiais a respeito dos resultados numéricos da balança comercial. A precariedade ou mesmo inexistência de arcabouço teórico sobre o qual as políticas comerciais têm sido estruturadas no País é, também, evidente, o que implica dificuldade em determinar metas e explicitar objetivos para o Brasil no cenário do comércio internacional. O bom-senso evidencia a incongruência de sermos a sexta economia do mundo e, no entanto, nossa participação no comércio mundial corresponder a somente 1,25% das transações globais e 1,3% das exportações mundiais em 2012, de acordo com o Manual de Estatísticas da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), de 2013. (1)
Alguma perspectiva histórica é útil para entendermos o trajeto que nos vinculou à realidade presente e erigiu as estruturas que entravam nossas perspectivas de nos tornarmos verdadeiros global traders. Desde o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, por Dom João VI, em 1808, o comércio baseado na navegação de longo curso buscou atender a dois objetivos principais: pressões políticas internacionais e necessidade premente de arrecadação fiscal. O apoio inglês à transferência da Corte Real ao Brasil, bem como os elevados custos da instalação da burocracia no Rio de Janeiro, tornavam incontornáveis as concessões políticas e o aumento da arrecadação de impostos de origem alfandegária, ainda que fosse difícil conciliar esses dois objetivos. É importante ter em mente que, naquele tempo, a arrecadação dos impostos alfandegários era fonte de renda indispensável para financiar os gastos da Coroa lusitana. Apesar disso, as alíquotas previstas para os direitos aduaneiros levavam mais em conta os aspectos políticos do que propriamente econômicos, uma vez que tanto Portugal como Inglaterra contavam com alíquotas preferenciais para a exportação de seus produtos ao Brasil. (2)
Após a Independência, nosso país viu-se novamente forçado a fazer concessões alfandegárias decorrentes de uma série de tratados desiguais com as grandes potências comerciais, em um contexto no qual permanecia o total alheamento da participação popular e parlamentar em tais decisões. Em 1844, quando, por meio da chamada Tarifa Alves Branco, viu-se a oportunidade de rever a tarifa média de 15% cobrada sobre os produtos importados, a qual desestimulava a produção doméstica de muitos bens, surge altiva e marcante a participação do parlamento como lócus de discussão e decisão a respeito da política alfandegária do País. A partir de meados do século 19, o engajamento parlamentar nas discussões acerca das políticas comerciais do Império é evidenciado pelo acirramento das discussões a respeito do modelo de desenvolvimento a ser adotado pelo País, sobretudo no que se refere ao grau de abertura comercial.
No século 20, com o advento da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, o Brasil resolve abandonar a dependência das exportações de café e desenvolver uma ampla base industrial, o que resultou na revisão da política comercial, cada vez mais concentrada nas mãos do Poder Executivo. Tais mudanças levam o País por um caminho sem retorno de concentração da política comercial nas mãos do Poder Executivo, o qual passa a exercer uma função de supervisão atenta dos fluxos de bens, por meio de decretos e regulamentos, com vistas a viabilizar o surgimento de uma base industrial nacional. À medida que diminui a participação do Legislativo no tema, por meio de leis e debates, aumentam as proibições e restrições aos fluxos de mercadorias, tais como as licenças de importação criadas no Governo Dutra e que culminam com a administração do comércio exterior e de suas divisas pela Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), criada no segundo Governo Vargas (1950-1954), a qual subsistiu até 1990 como o principal órgão incumbido da política comercial brasileira. Em 1995, o Governo FHC criou a Câmara de Comércio Exterior (Camex), no âmbito do Conselho de Governo, com o objetivo de ampliar a participação das esferas burocráticas e dar maior consistência às decisões de política comercial.
A sinalização de que o comércio exterior poderia tornar-se, de fato, uma prioridade da política brasileira foi dada pela Medida Provisória nº 1.911-8, de 29 de julho de 1999, a qual agregou o termo "Comércio Exterior" à nomenclatura do Ministério encarregado de suas políticas (antigo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo), o que trouxe a esperança de que o Brasil finalmente atentaria para a importância de abrir-se ao mercado mundial. A frustração não tardou, porém, ao perceber-se que a política comercial do País persistia como detalhe menor das políticas de estabilização monetária, alternando-se os períodos de liberalização e protecionismo, e que continuaria a ser tratada sob o viés tributário, consoante o próprio entendimento da Constituição Federal, cujo artigo 237 prescreve que: "A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda" (grifo nosso). Nesse ponto, é relevante notar que, embora seja consensual que os impostos de importação (assim como outros tributos de caráter regulatório) tenham hoje funções primordialmente extrafiscais, podendo ter suas alíquotas elevadas ou reduzidas mediante ato normativo do chefe do Poder Executivo, em razão de sua pouca relevância para o financiamento do Orçamento Federal, a manutenção do tema sob a esfera tributária subsiste como herança dos tempos coloniais. A partir da década de 2000, com o ressurgimento das políticas industriais desenvolvimentistas, é notável a maneira como as políticas comerciais seguem, também, subordinadas às políticas econômicas de crescimento endógeno, as quais buscam gerar vantagens competitivas e ganhos de escala para as indústrias nacionais, por meio de estímulos financeiros e da proteção do mercado doméstico.
Fato que exemplifica a busca da proteção do mercado nacional deu-se com a expedição do Decreto nº 7.567/11, posteriormente revogado pelo Decreto nº 7.819/12, que elevou a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 30 pontos percentuais para automóveis importados de diversos países, à exceção dos países do Mercosul e do México. Desse modo, o governo federal, mediante a promulgação de um ato normativo infralegal, interveio em mercado que vinha enfrentando acirramento da concorrência, com consequente ganho de qualidade e queda de preço para o consumidor final, sem que houvesse um amplo e democrático debate nas Casas Legislativas, ou mesmo perante a sociedade. É lamentável que, durante a maior parte do século passado, a evolução da condução da política comercial se tenha dado à margem da participação do Congresso e da sociedade civil, refletindo o sério déficit democrático nas políticas públicas voltadas a essa área. Costumamos ignorar que as regulamentações acerca do comércio exterior são, essencialmente, decisões políticas que interferem enormemente na distribuição da riqueza gerada pela atividade econômica doméstica. Apesar de parecer um tema distante do cotidiano de muitos brasileiros, escolhas entre políticas públicas na área de comércio exterior definem ganhadores e perdedores no cenário econômico nacional. A falta de participação ampla da sociedade e dos setores políticos nessas discussões impede o avanço dos debates a respeito do modelo econômico brasileiro, bem como o próprio aperfeiçoamento institucional das políticas comerciais e aduaneiras, as quais ficam limitadas aos gabinetes das burocracias federais, evidenciando grave déficit de accountability no que tange às políticas públicas na área do comércio exterior.
É fundamental que os profissionais do comércio exterior propugnem por uma abertura democrática das decisões políticas nesse domínio, sobretudo por meio de participação mais ativa de suas associações e de cobrança por maior envolvimento do Legislativo nas políticas e decisões sobre o tema. A democratização do comércio exterior do Brasil traria mais transparência, legitimidade e previsibilidade aos agentes econômicos, além de propiciar a institucionalização de uma política de Estado, a qual resultaria em um ambiente mais favorável para que o Brasil possa, finalmente, alçar-se ao lugar que lhe cabe no comércio entre as nações.

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